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Contos e Lendas da Europa Medieval

4 ago

“Agora entendo porque não estou morto nem vivo”, comentou Artur consigo mesmo, numa voz apenas audível, melancólica.
“Majestade, o senhor nunca vai desaparecer totalmente”, asseverou Lodovico. “Não vai ter repouso, é essa a sorte dos heróis das lendas! Mesmo sem ser adivinho, posso prever que, ao longo dos séculos futuros, sua existência e sua obra de paz inspirarão muitos artistas.
Artur sacudiu a cabeça, triste e alegre ao mesmo tempo. Triste, porque aquela imortalidade lhe pesava: alegre, porque estava na memória das pessoas. Sua vida não havia transcorrido em vão.”

Contos e Lendas da Europa Medieval

Quem nunca escutou, pelo menos uma vez, histórias de cavaleiros e de dragões? Quem nunca ouviu falar de um príncipe encantado, em seu imponente cavalo branco, arriscando a própria vida para salvar uma pobre donzela em perigo? E bruxas e maldiçoes, quem nunca tremeu ao saber de seus terríveis poderes, de sua infinita maldade?
Uma vez, pelo menos, todos nós ouvimos. E ficava sempre, ao fim da história, uma inquietante pergunta: de onde vêm, de que imaginação humana poderia ter nascido todo esse panteão de seres fantásticos, em cujas intrigas aparece com a mesma intensidade a guerra e o amor, a felicidade e a danação, a amizade e a injúria?
Reunidas e contadas neste livro pelo historiador francês Gilles Massardier e ilustradas por Arnauld Rouèche, essas lendas nos trazem de volta, desde um tempo muito distante, uma época para muitos esquecida: a Idade Média européia. Um tempo de reis e servos, de castelos protegidos por muralhas e soldados e de florestas profundas, espaço desconhecido e maravilhoso. Nesse cenário, a imaginação do homem medieval concebeu aos mais incríveis seres, as mais incríveis histórias: dragões, lobisomens, poções mágicas, reis impiedosos, amantes desesperados – histórias que eram passadas de boca em boca, na falta de livros e leitores.

Essa coletânea se abre como um lai de Maria de França, que escreveu para a corte da Inglaterra no século XI e da qual os historiadores não conhecem quase nada, salvo suas obras. “O cavaleiro lobisomem” põe em cena um tema maravilhoso, apreciadíssimo na Idade Média: o da metamorfose.
É também do sobrenatural que se trata em “Correm, correm as lágrimas do mundo”, uma bela e triste lenda da Islândia pagã, que provavelmente remonta à noite dos tempos.
“Uma terra de sonho” inspira-se nas numerosas versões européias do mito do país de Cocanha. Ilustra a difiícil existência de “gente miúda” e seu sonho de “grandes comilanças”.
“Não dê sua parte aos cães!”, adaptada de uma novela italiana do século XIV, evoca a “gente graúda”, à qual não faltava nada.
Em “O coração comido”, o motivo habitual do banquete adquire a dimensão cruel e trágica de um festim antropofágico. Transformando esse conto cortês em investigação policial – gênero que não existia na Idade Média –,quis prestar homenagem a O nome da Rosa, de Umberto Eco, bem como ao filme que Jean-Jacques Annaud fez baseado nesse romance. Quanto ao triângulo original “marido-mulher-amante”, foi substituído aqui pelo trio “pai-filha-namorado”, que me parecia mais afinado com a sensibilidade do público jovem.
“Rolando Orgulhoso” e “O hábito não faz o monge” pertence a literatura guerreira, mas tendem a se afastar dos temas tradicionais. O primeiro relato, tirado de um poema em occitânico (língua do sul da França), apresenta o futuro mártir Roncesvales com os traços inabituais de um anti-herói, presunçoso e fanfarrão, que não alcança seus fins. Quanto ao segundo texto, explora o veio do burlesco e da paródia.
Próximos dos temas do conto popular e do romance de cavalaria, “A bela, o bravo e a besta” retoma um episódio da vida de São Jorge; o relato de sua luta com o dragão.
“O juiz e o diabo” gira em torno do personagem do diabo, que ocupava um lugar destacado nos pensamentos dos homens daquela época. Esse relato de origem germânica, engraçado e sério ao mesmo tempo, acautela os que se sentiam propensos a abusar dos seus poderes.
Em “Pó de pirlimpimpim e Chá de Sumiço” trata-se do embuste. A lição dessa história de origem castelhana poderia ser: “Vendo muita escola, desconfie!”.
“Fata Morgana” mistura duas lendas arturianas a uma localização no mínimo inesperada: a Sicília. Essas duas fábulas são a imagem da civilização medieval: repleta do maravilhoso e de sonho, ricas de surpresas.

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Nome do Livro no Brasil: Contos e Lendas da Europa Medieval
Nome Original: Contes et légends de l’Europe médiévale
Escrito por: Gilles Massardier
Publicado no Brasil em: 2002
Editora:  Companhia das Letras
Nº de Páginas: 216
Capa original: